Segunda, 28 de novembro de 2022

   No início dos anos 60 do século passado, embarquei numa nave chamada Brasil. Uma nave exuberante, miscigenada, rica em recursos naturais, mal explorados, é verdade, mas pujante, pelo menos nas expectativas, já havia passado por períodos turbulentos, temerários até, mas havia sobrevivido, meio aos trancos e barrancos, mas prosseguiu em busca do seu tão sonhado take off.

   De lá pra cá, as turbulências foram constantes, com alguns momentos de bonança, mas pouco duradouros, mas a vida seguiu, cambaleante, mas seguiu.

   Um sopro de esperança brotou no seio dos passageiros com a tal redemocratização, ocorrida com as tão desejadas “eleições diretas”, notadamente para a Presidência da República, sucedida pela badalada “Constituição Cidadã”, em 1988.

   Com toda sua tendenciosa complexidade, a Constituição ganhou forma pouco a pouco, emendada e remendada, para se tornar uma colcha de retalhos que dita e contradita quase na mesma página, mas a vida seguiu e os passageiros procuraram com certo entusiasmo se adaptar às regras, às vezes confusas, mas aparentemente bem intencionadas, pode-se dizer que deu certo em 70 a 80%.

   É possível afirmar até que o país possuía um ordenamento jurídico  aparentemente consistente, com base no direito positivo e com raízes profundamente democráticas, embora ainda em processo de maturação, nitidamente em função do complicado e confuso processo político estabelecido pela Carta de 88 e seus resquícios de revanchismo ao período do Regime Militar

   Essas peculiaridades inseridas na Carta, direta e indiretamente, germinaram profundas discussões temáticas nos diversos segmentos sociais, a ponto de fundirem conceitos a fórceps, deformando termos e seus significados, confundindo democracia com liberdade, direitos com deveres, respeito com libertinagem.

   Essa má interpretação de conceitos trouxeram atropelos a valores, à cultura e aos bons costumes, levando-nos a mais uma turbulência, agora durante a decolagem, durante o take off, trata-se de uma aventura arriscada, desnecessária e infrutífera.

   Aquele ordenamento jurídico aparentemente consistente, que dava mostras de buscar uma ambiência ideal, embora com muitas dificuldades conceituais, se mostrava sistêmica, onde as instituições defendiam a legalidade com fincas nas experiências e na evolução cognitiva de uma sociedade ainda carente de informações que fortalecessem sua cultura, seus valores e seu amor pela Pátria Mãe.

   Muitos desencontros, é verdade, mas os valores conceituais se solidificam com o tempo, as normas consuetudinárias se tornam exigências de uma civilização na medida certa de sua evolução. Parecia um bom caminho a seguir.

   Entretanto, para nossa desagradável surpresa, 34 anos depois de promulgada a Carta de 88, em pleno século XXl, nos é apresentada uma nova maneira de vivenciá-la. Sua aplicação, interpretação, alcance, objetivo  e destinatários não pertencem mais ao seu legítimo proprietário, o povo, que agora é mero espectador, sujeito que está à vontade de um grupo de pessoas, sem legitimidade representativa, que se apossou tácita e impositivamente da vontade popular promulgada com o nome de Constituição da República Federativa do Brasil, usurpando para si e seus propósitos todos seus efeitos, absurdamente sem resistência.

   Em pleno século XXl, no terceiro milênio da civilização ocidental, o Brasil, uma republiqueta de terceiro mundo joga por terra a teoria de Montesquieu da tripartição dos poderes para vivenciar o sinistro espectro de um poder único se sobrepondo, sem qualquer resistência, aos demais, usando como fundamentação, uma Constituição democrática, que foi construída sobre os pilares da independência e harmonia entre os três poderes. Inacreditável.

   Foram vários os atropelos à Constituição, vários os crimes de lesa pátria, tudo sob os olhares passivos e subservientes das instituições ditas democráticas e com apoio incondicional daqueles que foram, convenientemente, beneficiados.

   Enquanto os mortais choram e lamentam o derretimento da sua Carta Maior, as instituições democráticas silenciam-se sob a premissa de respeitar a Constituição que já fora, por diversas vezes deflorada vergonhosamente, sem piedade, sem métodos e sem ética.

   A nave está à deriva.

   Para que eu quero descer!

   Paz e Luz.

    

     

   


Mais artigos do(a) autor(a)


















Domingo, 21 de agosto de 2022

Escolhas
















Warning: Undefined array key "acessos" in /home1/jorn3419/public_html/artigo.php on line 348